quarta-feira, 17 de abril de 2013

Marisa, Valdir, outros nomes e os que não podemos saber o nome e a sorte.

O bebê de Marisa, Victor Hugo, tinha mais ou menos 6 meses quando nasceu o meu filho mais velho Fabrízio.
Um ano e alguns meses depois, nasceu um outro menino, de quem só sabemos a data de nascimento, 12 de abril de 1995, sabemos da existência de histórico de passagens pela Fundação Casa e que foi agora recolhido mais uma vez. Apesar de estar na mídia, o nome dele, de sua mãe não nos é dado saber. Preservaram-no.
Alem de termos dado a luz em época próxima, Marisa e eu temos em comum o zelo e a preocupação com os filhos. Aparentemente o marido dela faz a linha "paizão", como o meu Carlos.
Até o presente momento, a diferença maior entre Marisa e eu é que eu estou com mais sorte. Meu primogênito e meu caçula, Felipe, circulam por São Paulo, pelo metrô, pelas ruas, pelos trens, de manhã, de tarde, de noite. Para estudar, para trabalhar, para se divertir. E eu tento fazer como Marisa, saber se estão bem, se já estão chegando em casa. Além de zelo, para mim é condição de sobrevivência, porque a sobrevivência deles pode vir a depender de pessoas como aquele rapaz que não pudemos saber o nome.
No fundo, mesmo que os nossos filhos achem isso dramático demais, milhões de mães como eu tem medo de se tornar Marisa, os pais tem medo de se tornar José Valdir. Que esse casal enlutado, estraçalhado como ela mesma disse, me perdoe por essa afirmação, mas eles sabem que é verdade. Nós gostaríamos de não ter medo de virarmos Marisa e Valdir. Num mundo com tudo torto e errado, qualquer casal pode ser Marisa e Valdir chorando amanhã. Eles continuavam um trabalho de 19 anos, cheio de amor, de luta, de preocupação com a saúde e a formação quando...o rapaz que não sabemos o nome, cuja mãe não sabemos o nome, acabou com tudo. Lindas, fortes e doces lembranças são o que ficou do bebê que Marisa teve um pouco antes de mim. Por coincidência, até uma amiga Mariana em comum eles tinham. Mais uma que está chorando, indignada. Uma além dos muitos, todos jovens perplexos que estavam no funeral. Jovens em funeral de jovens, ninguém vê o absurdo disso?  Jovens dizimados por outros jovens. É guerra.
Ouvi dizer que o menino de quem não sabemos o nome já tem advogados. Marisa e Valdir tem o que?
Uma vida para tentar tocar, os filhos mais velhos que o saudoso Victor Hugo, uma tristeza que eu faço questão de nem tentar imaginar a profundidade, desculpe mas tento fugir mesmo de ter isso em comum com Marisa. Eles tem também um país inteiro clamando pelo fim da impunidade. Na verdade, isso eles, nós, com nomes, histórias de luta e trabalho, todos já tínhamos. Antes dos nossos bebês nascerem, aliás. Quando eles nem tinham nome.
E gente que não se pode divulgar o nome (gente sim, porque animal algum mata de forma tão cruel sem motivo) se esconde atrás de uma confortável cortina. Eu até agora (e espero que para sempre) tive mais sorte que Marisa. A mãe que não sabemos o nome, do filho que não pudemos saber o nome, sabe exatamente onde seu filho está, sabe que será alimentado, se adoecer será tratado e sabe que das traquinagens que ele aprontou alguém vai se ocupar para tentar resolver. Sorte dela.